quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Um olhar de fora, mas profundamente dentro (2)

No mês de setembro, quando estive no Brasil, encontrei a campanha eleitoral no seu auge: era uma guerra descomunal pelo poder. Eu sempre fui muito interessado ao desenvolvimento da política nacional e do Distrito Federal, daqui eu leio a cada dia as notícias, sempre fui assíduo e interessado eleitor, mas desta vez eu não votei porque deveria viajar a Milão (400 km ida e vinda) para transferir o título ao Consulado do Brasil e depois deveria ir a cada turno de votação.
O voto não é obrigatório na União Européia, aqui o voto é compreendido como um direito, e por isto a pessoa pode renunciá-lo. Isto tem produzido a pouca frequência dos eleitorer às urnas, na última eleição francesa somente 20% dos eleitores foram votar. Já no Brasil o voto é compreendido como um dever para com a democracia.
Confesso que experimentei uma certa alegria em não ter que votar. Somos uma nação pacífica, um povo amigável, mas quando é momento de eleição aparece o que temos de pior: tanta mentira, calúnia, raiva e corrupção que só mostra que o que está em jogo é o poder e os seus frutos. No fundo a ilusão é do eleitor que pensa estar escolhendo entre projetos diversos, mas fundamentamente estamos escolhendo pessoas diversas que têm em comum o interesse pelo poder e não pelo bem do povo.
Uma discussão que era muito presente era sobre a catolicidade dos candidatos, que diga-se: todos se tornam pessoas de fé e em geral católicas, numa nação de maioria católica. É uma “fé” oportunista, que usa Deus e a Igreja em função de um projeto de partido. Como corolário desta discussão veio aquela sobre o aborto. Partilho com vocês a realidade italiana sobre este tema: aqui o aborto é legalizado e pode ser feito na rede pública. Muitos médicos não o fazem por objeção de consciência e a surpresa é que o número de abortos clandestinos cresceu desde a legalização, foram cerca de 200 mil no ano passado. O motivo é para as pessoas que têm dinheiro é ainda cômodo não usarem a rede pública para manterem-se no anonimato. Dizer que a legalização diminui o número de abortos, se mostra como um argumento falacioso.
A principal preocupação que ficou no meu coração, como fruto desta eleição é a seguinte: temos uma carência de lideranças católicas-leigas para o mundo da política. Aprofundemos:
• Me parece equivocado buscar um candidato católico nas eleições. Muitas vezes não é o candidato que se diz católico que irá devender os valores do evangelho. É preciso olhar o compromisso pessoal do candidato e do seu partido com os valores do reino de Deus, e é preciso ver também que nem todo bom católico tem capacidade para ser bom político.
• Sou profundamente convencido que a política não é só lugar de corruptos, a crença na opinião contrária está fazendo com que o povo brasileiro, em especial os jovens, percam o interesse pela democracia que foi conquistada com o sangue e a vida de muitos dos nossos antepassados. Precisamos de garantir a presença de pessoas de valor no mundo da política.
• Na política a sedução pela fraude é muito presente, mais que em outros âmbitos. Daí é preciso que a comunidade cristã tenha a sabedoria de acompanhar com suas orações e com atos os seus eleitos: estas pessoas se vêem abandonadas e caluniadas pelos seus irmãos de fé. Não seria esta uma bela missão para a população de Brasília?
• A rejeição pela política tem feito com que este tema seja rejeitado nas nossas paróquias e isto é um equívoco, pois se o Evangelho é um anúncio de salvação para o ser humano, e este é por natureza político, logo o mesmo Evangelho deve tocar também este homem-político. Daí que devemos encorajar a comunidade cristã a assumir a vida política, precisamos de gente de fé que entre nas instituições políticas para transformá-las a partir de dentro. E nisto tenho a clareza que não precisamos de um partido da Igreja, pois nenhum partido pode esgotar todos os valores do Evangelho, opção partidária é questão de consciência pessoal. Precisamos de cristãos leigos que se façam presentes na diversidade dos partidos para levar a eles o valor do Evangelho. O triste que muitas vezes estes cristãos se perdem e se tornam mais partidários que pessoas de fé. Além disto, historicamente os partidos ditos “cristãos” não representaram os valores defendidos pela Igreja.
• A última eleição presidencial do Brasil foi muito marcada pelo disse-não-disse das TVs católicas e do episcopado. Eu nunca usei o meu ministério sacerdotal para pedir votos e não manifesto minhas opções a não ser para pessoas íntimas. Acredito que precisamos nos cuidar ao dar as nossas opiniões, pois muitas vezes os religiosos não são os mais capazes para emitir posições sobre política. Devemos dar fundamentos evangélicos e ser capaz de ver que a opção partidária é muito relativa, pois, como disse, nenhum partido esgota os valores do Evangelho e será que podemos ariscar o anúncio da Boa Nova para justificar um candidato?. O pior desta situação é que vemos clérigos ocupando lugar de leigos e leigos fugindo da vida social e política.
Enfim, celebrando nestes dias para a comunidade brasileira em Mantua, eu conclamei a assembléia para rezar pela nova presidente e por todos os eleitos. Alguns rostos faziam cara de desaprovação. Meus irmãos, a campanha acabou, resta-nos agora rezar pelos nossos governantes e cobrar deles o zelo efetivo pelo bem do Brasil, não só nesta geração, mas pensando também nas gerações futuras.
Basta. Falo muito. Abraços e bênçãos.
Até mais.

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