segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A ESPIRITUALIDADE COMO RELAÇÃO

Uma verdadeira espiritualidade nos conduz à dimensão comunitária. Este foi o percurso natural de todas as espiritualidades: até mesmo aqueles que se decidiram por viver no deserto, eram cheios de uma abertura para o outro.
O ser humano é um ser feito para a relação. Não somos e não podemos ser mônadas, isoladas em si mesmas, mas somos feitos para nos abrirmos ao outro. E isto se deve a algumas motivações:
No plano Trinitário: a grandeza da nossa fé, a singularidade da fé cristã, não é tanto a afirmação do monoteísmo, se pensarmos bem esta é a fé dos muçulmanos e dos judeus também. Até a filosofia, com um esforço profundamente humano, já tinha chegado à afirmação de um só deus. A singularidade da fé cristã é afirmar que existe um Deus-Comunidade. Um Deus que é ser-para–o-outro. Não existe como ser discípulo deste Deus, se não se afirma a dimensão comunitária da vida.
No plano cosmógico: toda a criação tem em si uma lei de interdependência. Nós só vivemos na convivência. O ser humano é tão dependente do outro, que mesmo Adão tendo sido criado depois da criação de tantos outros elementos, ainda se queixava da solidão.
No plano humano: nós dependemos do outro para viver em plenitude todas as nossas dimensões: física, psíquica e espiritual. Não é possível viver e amadurecer prescindindo da convivência com o outro. O outro me faz crescer.
Sejamos honestos: tantas vezes a nossa tentação é reconhecer como Sartre que o outro é meu inferno. Mas se nos deixarmos libertar das armadilhas do nosso “eu” sempre tendencioso, chegaremos a ver que o outro, ainda que seja o meu inimigo mais perverso, merece agradecimento. Quem mais nos ajuda a crescer é justamente o outro, e muito mais se este se torna nosso algoz, porque nos ensina a ser muito mais críticos, prudentes e capazes de nos avaliarmos tal como somos, e não pelos exageros daquilo que pensam de nós, de bem ou de mal.
Diante das dificuldades da vida de cada um de nós, a fuga para um isolamento se torna fácil. Sem dúvida que o suportar a solidão consigo mesmo, faz parte de uma pessoa madura, mas de todo modo o outro é uma graça na nossa vida, independentemente de como ele seja, poderá sempre nos trazer algo de bom. Basta a capacidade de saber distinguir o que posso aproveitar do encontro com cada pessoa, e discernir isto é ESPIRITUALIDADE.
Até mais! Fiquem com Deus.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

FRANCISCO DE ASSIS – O IRMÃO MENOR

Estou fazendo neste tempo a releitura das fontes franciscanas, agora na sua edição italiana mais nova. Tenho lido também os livros de alguns franciscanólogos. Tem sido uma bela redescoberta da figura de Francisco de Assis.
Francisco é exemplo vivo daquele ser com o coração aberto a Deus e plasmado do Seu Espírito. A sua experiência parte do encontro com o Crucifixo-Ressuscitado, que o levará depois a ser ele mesmo “crucificado”, e por isto “homem aberto”, que encontra o outro como um irmão, menor, até alcançar “o outro de todo outro” que é o mistério da irmã Morte.
Tudo iniciou com o leproso e ele mesmo fala no seu Testamento: “O Senhor deu a mim, Frei Francisco, de começar a fazer penitência assim: quando estava nos pecados me parecia coisa muito amarga ver os leprosos, e o Senhor mesmo me conduziu entre eles e usei com eles misericórdia. E distanciando-me deles, o que me parecia amargo me foi transformado em doçura da alma e do corpo” (Tradução a partir do texto italiano). O contraste “amargo-doce” marca este encontro que determinou uma mudança interior radical, uma verdadeira e própria conversão, que se repercutirá não só sobre sua relação com Deus, mas também sobre sua visão do homem e do universo.
Nas narrações mais ricas de Tomás de Celano e Boaventura existe um contraste entre um “antes” de horror e repugnância, e um “depois” falando assim do beijo com o qual Francisco marca o encontro com o leproso, expressão forte de comunhão e amor, de fraternidade profunda.
Eis agora que a dificuldade de Francisco de se avizinhar da diversidade assim tão fortemente diferente, se transforma, à luz do Cristo, em capacidade de encontrar e fazer comunhão. Em um momento de “estado de inquietude espiritual”, como o define Manselli – um dos seus maiores estudiosos -, Francisco encontra o Crucificado na pequena igrejinha de São Damião, fora de Assis. O Cristo sofredor se torna para Francisco “espaço de encontro”, confirmando o precedente episódio do leproso. Reconhecendo em Cristo o rosto de Deus, ele acolhe o convite a reconhecer no último e mais desfigurado homem o próprio rosto de Cristo, e ele olha com os olhos que entrevê, mesmo se não ainda completamente, o mistério que é este Deus, mistério que fala, que envolve, que move e co-move fora de si. É esta consciência que o impulsiona a escolher a marginalidade como estilo de vida; esta posição entre os homens e no mundo lhe permite de se tornar homem ecumênico e, portanto homem do encontro, irmão menor.
Depois do abraço ao leproso e da palavra do Crucificado em São Damião, em Francisco acontece uma mudança interior profunda, mas também de horizontes, que o portará ao Alverne e a receber o amoroso sinal dos estigmas. Se pode dizer que passou do centro do mundo, cento do seu mundo que era Assis, às margens do mundo, fazendo desta margens a sua ecumene, ou seja, o seu mundo, a sua casa, que é também a casa de todos os outros, os diferentes dele.
Ele morreu como viveu, isto é, indo sempre ao encontro ao outro, pobremente, armado somente da sua única certeza: o seu Senhor crucificado-ressuscitado que resolve em si até as contradições, até a Morte. A presença de Francisco no horizonte da história assinala, portanto, um momento de graça e uma exultante experiência de diálogo universal e fecundo.
Penso que o lugar certo, o lugar franciscano, ou seja, onde o franciscano pode encontrar Deus, é o leproso e o Crucificado. É ai que Francisco se encontrou com o seu Senhor, com a sua fé, e seguramente consigo mesmo e os outros.
Um abraço. Vamos em frente!