segunda-feira, 16 de maio de 2011

Ser peregrino e viandante

Hoje, 16 de maio de 2011, se fazem dois anos que cheguei em Camposampiero, a menor cidade onde já vivi na minha vida, com cerca de seis mil habitantes.
Viver em uma outra cultura, com outra língua, outro tudo. Ser o estranho do ninho, o estrangeiro, ou, como dizem aqui, o extra-comunitário, é ocasião de sofrimento para a maioria das pessoas, mas devo confessar que me faz muito bem esta nova experiência. Viver no exterior é ter a possibilidade de renascer sob muitos aspectos da vida, e se se vence a resistência ao outro, se consegue aprender muita coisa.
Recordo-me que nos primeiros dias tudo era novo, talvez interessante, media tudo a partir do Brasil. No contacto com os brasileiros, e com outros, vejo que o segundo momento é aquele de começar a mistificar tudo que é da própria pátria, ai o Brasil começa a não ter problemas e tudo daqui já não vale mais. Busquei escapar desta tentação e manter um olhar critico com a minha cultura, mas sou sabedor que isto é praticamente impossível, pois avalio a minha cultura com o coração (sou sujeito dela), enquanto avalio a Itália com a razão (ela è objecto).
A graça de Deus fez com que hoje eu sinta a Itália, na sua diferença com o Brasil, como a minha segunda pátria. Com isto não quero que ninguém se encha de poesia sobre o tema, porque a maioria dos estrangeiros vivem a experiência italiana como uma cruz. Digo sempre que é algo muito estranho, pois praticamente nunca encontrei uma pessoa que viva na Itália porque gosta, mas sim porque deve viver. E isto acontece porque aqui sefaz uma distinção cada vez mais rígida entre aquele que é daqui e aquele que é de fora, e tal distinção não faz parte do modo de ser do brasileiro: somos um povo nascido do encontro de muitas culturas.
Nos primeiros dias que aqui cheguei, eu era muito atento à situação do estrangeiro na bíblia: como o povo de Israel se pensava como único escolhido e Deus lhes exigia de darem atenção ao estranho, depois no segundo testamento se diz que todos somos estrangeiros, porque a nossa pátria é o Céu; ao passo que todos somos concidadãos. Poder antecipar esta experiência do ser “forasteiro e viandante” era para mim muito interessante, além do que comecei a me sentir profundamente livre, porque não devia representar um papel diante de ninguém: era somente o forasteiro brasileiro, sem obrigação de falar bem, de falar bonito e de representar nada.
Tudo isto me fez buscar e alcançar uma vivência tranquila com o povo italiano e seu modo de ser. Cada vez mais me convenço que a cultura é um elemento determinante e condicionador daquilo que somos, ao passo que além dela está o ser humano, na sua grandeza e limitação comum a todos os povos. Vivo assim a serenidade de buscar encontrar um irmão e uma irmã em cada um, mais que um membro desta ou daquela nação. Outros dois elementos tranquilizadores para mim é saber que estou aqui por uma tempo determinado e ter a possibilidade de celebrar uma vez por mês com meus conterrâneos brasileiros em Mantua.
Dois anos se passaram, e este é para mim tempo de graça e salvação. Por tudo isto louvado seja Deus!

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Nota da CNBB a respeito da decisão do Supremo Tribunal Federal quanto à união entre pessoas do mesmo sexo

Nós, Bispos do Brasil em Assembleia Geral, nos dias 4 a 13 de maio, reunidos na casa da nossa Mãe, Nossa Senhora Aparecida, dirigimo-nos a todos os fiéis e pessoas de boa vontade para reafirmar o princípio da instituição familiar e esclarecer a respeito da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Saudamos todas as famílias do nosso País e as encorajamos a viver fiel e alegremente a sua missão. Tão grande é a importância da família, que toda a sociedade tem nela a sua base vital. Por isso é possível fazer do mundo uma grande família.

A diferença sexual é originária e não mero produto de uma opção cultural. O matrimônio natural entre o homem e a mulher bem como a família monogâmica constituem um princípio fundamental do Direito Natural. As Sagradas Escrituras, por sua vez, revelam que Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança e os destinou a ser uma só carne (cf. Gn 1,27; 2,24). Assim, a família é o âmbito adequado para a plena realização humana, o desenvolvimento das diversas gerações e constitui o maior bem das pessoas.

As pessoas que sentem atração sexual exclusiva ou predominante pelo mesmo sexo são merecedoras de respeito e consideração. Repudiamos todo tipo de discriminação e violência que fere sua dignidade de pessoa humana (cf. Catecismo da Igreja Católica, nn. 2357-2358).

As uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo recebem agora em nosso País reconhecimento do Estado. Tais uniões não podem ser equiparadas à família, que se fundamenta no consentimento matrimonial, na complementaridade e na reciprocidade entre um homem e uma mulher, abertos à procriação e educação dos filhos. Equiparar as uniões entre pessoas do mesmo sexo à família descaracteriza a sua identidade e ameaça a estabilidade da mesma. É um fato real que a família é um recurso humano e social incomparável, além de ser também uma grande benfeitora da humanidade. Ela favorece a integração de todas as gerações, dá amparo aos doentes e idosos, socorre os desempregados e pessoas portadoras de deficiência. Portanto têm o direito de ser valorizada e protegida pelo Estado.

É atribuição do Congresso Nacional propor e votar leis, cabendo ao governo garanti-las. Preocupa-nos ver os poderes constituídos ultrapassarem os limites de sua competência, como aconteceu com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal. Não é a primeira vez que no Brasil acontecem conflitos dessa natureza que comprometem a ética na política.

A instituição familiar corresponde ao desígnio de Deus e é tão fundamental para a pessoa que o Senhor elevou o Matrimônio à dignidade de Sacramento. Assim, motivados pelo Documento de Aparecida, propomo-nos a renovar o nosso empenho por uma Pastoral Familiar intensa e vigorosa.

Jesus Cristo Ressuscitado, fonte de Vida e Senhor da história, que nasceu, cresceu e viveu na Sagrada Família de Nazaré, pela intercessão da Virgem Maria e de São José, seu esposo, ilumine o povo brasileiro e seus governantes no compromisso pela promoção e defesa da família.

Aparecida (SP), 11 de maio de 2011

Dom Geraldo Lyrio Rocha
Presidente da CNBB
Arcebispo de Mariana – MG

Dom Luiz Soares Vieira
Vice Presidente da CNBB
Arcebispo de Manaus – AM

Dom Dimas Lara Barbosa
Secretário Geral da CNBB
Arcebispo nomeado para Campo Grande - MS

terça-feira, 10 de maio de 2011

Quando a morte fala mais alto…

Nestes dias estou, ingenuamente, assustado com a repercussão que teve a morte de Osama Bin Laden. Ingenuamente, porque não seria de se esperar de mim tal susto, mas o problema que se criou foi a coincidência de épocas e fatos: Páscoa, beatificação de João Paulo II e morte de Bin Laden.
A morte continua sendo o grande enigma da vida humana. No passado, para chegar a uma resposta sobre o tema, os seres humanos apelavam para a reencarnação ou outra explicação espiritualizante. Com o advento do cristianismo, ouvimos o discurso claro da ressurreição. Na verdade, como vemos no Segundo Testamento, esse é o novo e insistente anúncio da Igreja: Ele vive! Atualmente, o enigma continua a bater em nossa porta e depois de séculos de vida cristã, chama-me a atenção que a nossa evangelização ainda se mostra falha, sobretudo neste aspecto.
Vejamos dois exemplos: Uma pesquisa internacional mostra o Brasil como a nação não muçulmana onde mais se acredita em Deus. Por outro lado, o Brasil está entre as nações que mais crê em reencarnação e somente cerca de metade dos brasileiros acredita na ressurreição. Se isto já entristece, saibamos que entre os freqüentadores habituais da missa dominical na Itália, somente 30% acredita na ressurreição de Jesus. Falhamos naquilo que é mais inquietante na vida humana (o fim da vida, a morte) e naquilo que é essencial no cristianismo, a ressurreição. Se não conseguimos convencer que há vida pós morte, como fazer para anunciar que o evangelho traz vida já nessa nossa existência terrena?
A noticia que chama a atenção no mundo de hoje é aquela sobre morte (violência) e prazer (sexo, magia). Basta ver quais filmes fazem sucesso e que literatura mais se vende. Por esse motivo tem mais repercussão a morte de Bin Laden que a Páscoa do Senhor ou a vida doada de João Paulo II. Afinal o que é a vida, o amor, a doação, diante do espetáculo de uma super potência que busca um homem por dez anos, encontra-o e, ato contínuo, mata-o sem julgamento?
A repercussão do fato na mídia faz ver o tanto de ilusão que absorvemos, fruto de uma sociedade não crítica, que acredita em tudo que ouve. Esquecemos de fazer perguntas básicas. Verdadeiramente, não teria sido possível encontrá-lo nesses dez anos? Quem mais matou na história humana, os EUA ou a Al Qaeda? Com essa morte o terrorismo chegou ao fim? È justa tal comemoração de uma vingança?
Seguramente, a morte de Bin Laden é mais que um símbolo [político / imperialista], não uma causa que possa produzir efeito vivificador. É um passo a mais na inqualificável separação entre oriente e ocidente, muçulmanos e cristãos, que são promotores e vitimas de seculares guerras.
Pensemos, no entanto, na morte esquecida de Cristo e na Sua vida não celebrada, aquela que foi causa da nossa salvação. O novo Adão não ressuscitou para si somente, mas para dar a vida por todos.
Que a Páscoa, que não se reduz a alguns dias, seja para cada um de nós, celebração da vida. E a vida se celebra a cada momento, sem deixar-se perder nenhuma gota do grande amor que Deus derramou nos nossos corações.