segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Que coisa é a fé?

Tem algumas perguntas na vida que são tão complexas que dão a impressão que vale tudo como resposta, ao mesmo tempo que não vale nada. Parece que diante destas perguntas nós não conseguimos verbalizar claramente que coisa é esta sobre a qual queremos discursar.
Veja, se nos perguntarmos quem é Deus, podemos dar milhões de respostas. Na verdade a tentação mais comum será dar aquela resposta que aprendemos no catecismo. Uma resposta útil para educar na fé, mas penso que a maturidade, os anos que passam, deve nos permitir forjar uma resposta experiencial. Mas esta resposta, já por ser experiencial, em geral, não pode ser facilmente verbalizada. Basta pensar que os místicos não conseguem transmitir com palavras a experiência de encontro que tiveram com Deus. Assim, penso que Deus, em certo sentido, só pode ser experienciado e conhecido pelo encontro de fé. Com isto logo se coloca um problema colateral: para que estudar teologia? Ora, a teologia nos coloca diante de um mistério (Deus) e diante de um grande risco: pensarmos em conhecer Deus somente pelos livros, sem uma experiência vital, quando assim o fazemos, e é algo comum, Ele é facilmente instrumentalizado para estar a nosso serviço.
Ao dizer que a fé é o caminho para conhecer Deus, parece que já definimos muita coisa, mas é pura ilusão pensar assim. Se pedirmos a um enamorado que defina a pessoa amada e o sentimento que os liga, ele terá um grande problema, pois ao mesmo tempo que tem certeza sobre o que sente, não conseguirá com palavras dizer tudo o que sente. Isto é o que acontece quando tentamos falar sobre Deus e sobre fé. São entes sobre os quais nós balbuciamos e não falamos.
A fé, não como definição dogmática, mas como encontro de amor, é o eixo que conduz a história da salvação. De certo que ela não tem um valor em si, é uma via para ser percorrida neste vale de lágrimas, e que um dia será substituída pela visão.
O encontro com Deus não é fácil. Quase sempre ele passa pela cruz, pela rejeição, pelo silêncio de Deus, pelo desprezo. Um místico chamado Thomas Merton, vai dizer que se pensarmos que encontramos Deus numa via de facilidade, podemos ter certeza que encontramos tudo, menos Deus. Neste sentido é preocupante que é sempre mais presente a tendência de fazer da espiritualidade uma psicologia ou uma experiência de prazer pessoal, onde se conclui, pelo choro ou outro sentimento, que me encontrei com Deus, mas isto não é verdadeiro.
Por cultura, creio que nós latinos tendemos a confundir fé com sentimento: se nos emocionamos diante do Sagrado ou se vemos alguém se emocionar, logo concluímos que houve uma experiência de fé. Aqui na Europa o risco é da intelectualização da experiência de Deus, se há planejamento e racionalidade, Deus foi encontrado. Contudo, a fé passa por tudo isto, mas a fé não é isto: não é sentimento só, não é razão só, não é só corpo, não se reduz ao espírito e não se condensa na alma. Ainda mais: a fé não é só a devoção, não é o ter dons diversos, não é o falar bem das coisas sagradas e nem sequer é um estado de vocação na Igreja. A fé, como experiência de abandono total em Deus, deve se apropriar de tudo que somos e temos, só a partir daí que vamos deixando-nos morrer, para que Ele viva em nós.
Esta é uma tarefa difícil, pois facilmente a força do nosso eu é tão grande que substituímos Deus por nós mesmos e pensamos que O encontramos. Contudo esta é uma tarefa para toda a vida e a tarefa mais bela da nossa vida: o encontro com o totalmente Outro, que de algum modo já está no que há de mais profundo de nós. Sem este encontro nós não nos tornamos nem humanos nem divinos. Sem este encontro nós não somos pessoas e não nos encontramos com a nossa identidade mais íntima. A vida sem fé é sem sabor, sem sentido e extremamente fugaz.
Um abraço grande. Fiquem com Deus e que Ele lhes abençoe!

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A fé: uma questão fundamental

Queridos, Paz e bem! Antes de tudo perdão pelo atraso em colocar textos. Aqui pra frente serão colocados com pontualidade. Estávamos no verão, e entre saídas e chegadas, eu não tive como atualizar o blog. Abraços.

Quando se estuda teologia, tem uma disciplina chamada teologia fundamental onde se reflete sobre a fé. O nome da disciplina é este porque ela se confronta com temas importantes que permeiam todas as outras disciplinas (se querem um nome antigo, tratados), e porque ela trata de temas que são preliminares ao estudo da teologia.
Recordando-me nestes dias do tempo que lecionei introdução à teologia, eu pensava um paralelo para poder compreender a espiritualidade: a fé é o seu fundamento. Mas também a fé é algo que cresce com a própria espiritualidade. Fé é um dom, mas também uma responsabilidade pessoal diante do sagrado.
Quando nós pensamos em nós mesmos ou se perguntamos a outros se têm fé, logo vem, quase sempre automaticamente, uma resposta afirmativa. Recordo-me da pergunta do Senhor Jesus: “Mas, quando vier o Filho do Homem, acaso achará fé sobre a terra?”. Tenho a impressão que a facilidade com a qual nós afirmamos a fé destoa da pergunta de Jesus, pois Ele parece “descrer” que encontrará um mundo cheio de fiéis. Reconhecer, até com muita dor, que não somos pessoas de fé, é o primeiro passo para começar a tê-la.
No mês de julho eu participei de um retiro com um sacerdote de 97 anos, Arturo Paoli (http://pt.wikipedia.org/wiki/Arturo_Paoli), um homem de uma lucidez, atualidade e força que destoam daquilo que se pode pensar de alguém desta idade. Um homem que teve uma história de vida luminosa em nível de igreja, até os 47 anos, e depois de uma enorme perseguição por parte de seus pares aqui na Itália, ele pediu a Paulo VI para ir para América Latina, viveu inclusive no Brasil. Na viagem de ida ele conheceu um irmão da congregação de Charles de Foucauld e pediu para entrar na congregação. Depois de um sim do superior geral, ele foi rejeitado pelo formador e por fim admitido. Foi viver no deserto durante anos e naquela experiência, sem o poder, sem as luzes, sem o palco, sem os alunos, ele percebeu que não tinha fé. Ele nos dizia que era a experiência mais desoladora do mundo, algo semelhante a uma depressão, mas muito pior.
Ele percebeu que ele não tinha uma fé, mas confiava nas suas qualidades, no seu talento, no seu poder, ou seja, em si mesmo. Somente depois de um episódio no deserto, é que Ele começou a perceber o essencial e encontrou consolo: não sou eu que busco Deus, é Ele que está me buscando!
Olha, devo-lhes dizer que a minha experiência pessoal de vida foi muito semelhante. Eu pensava ter fé quando era o centro das atenções, quando tinha poder, contava com palco e auditório, suposto amor e respeito. Quando eu perdi tudo isto, e algo mais, que foi a proximidade dos irmãos, aos poucos eu fui decidindo de deixar tudo, inclusive Deus. Para explicar: a experiência de doença e morte coloca muitas pessoas no ponto crucial da fé, mas isto é ainda pior quando se passa pela experiência da “própria morte” em vida. Desta experiência eu fui para uma fuga de Deus, um vazio, a constatação de que não tinha fé, o desejo de Deus, uma busca e um encontro, que de algum modo Camposampiero foi o deserto que eu precisava.
Contar estas duas histórias, de dois ministros da Igreja, somente serve para nos ajudar a colocarmo-nos diante da questão de Jesus: o Filho do Homem encontrará fé em mim?Sugiro que pense sobre isto. Mas coloque-se também a questão anterior a esta: o que é fé?
Até a próxima, daqui a uma semana. Abraços e bênçãos!