sexta-feira, 15 de março de 2013

RENÚNCIA DE BENTO XVI: MOMENTO DE SER FRANCISCANO

O dia 11 de fevereiro de 2013 passou à história não somente como mais uma memória da aparição de Nossa Senhora em Lourdes (1858) ou da Conferência de Yalta (1945) com a qual as potências concordavam em terminar a segunda guerra, mas foi sinalizado com um fato que ofuscou até o noticiário brasileiro do carnaval: a renúncia do Papa Bento XVI ao ministério petrino. No momento da renúncia, a minha comunidade estava reunida para a lectio divina e eu recebi a notícia imediata através de uma mensagem no celular. A minha reação foi aquela mais comum de todos os mortais: não acreditar. Assim foi também a reação dos cidadãos do lugar de nascimento de Bento XVI, que pensaram que era uma brincadeira de carnaval. Depois de um primeiro momento de ceticismo, dado à insistência do meu interlocutor, fui conferir e vi que todas as agências de notícias da Itália só falavam disso. Desde aquele momento esse é o assunto do mundo, com diversas leituras apropriadas ou não. Fundamentalmente, olhando a repercussão pelo mundo, encontrei três reações à renúncia: a hierarquia da Igreja (os bispos) apoiaram e respeitaram a decisão do Papa, os meios de comunicação começaram a buscar o motivo da renúncia e especular sobre a sucessão, e os fiéis leigos mais simples ficaram desesperados, pensando que a Igreja vive uma crise. Buscaremos esclarecer um pouco estas questões a partir de nossa visão cristã e franciscana. Antes, porém, devemos admitir que são tantas as especulações em torno dessa renúncia que começamos o nosso caminho buscando dar clareza a essas para depois enfrentar aquelas. Alguns meios de comunicação dizem que este é o segundo papa a renunciar e outros dizem que este é o quinto. Qual posição é verdadeira? Curiosamente devo dizer que uma ou outra é valida, mas pessoalmente sustento a primeira. Para compreender esta suposta discrepância, devemos admitir que uma instituição com mais de dois mil anos não pode ser avaliada pelo critério de história de hoje, que se interessa por datas e medidas. Daí que encontramos na lista dos papas diversas questões que fazem ser difícil precisar não só a data do pontificado, como o motivo do término e até mesmo a lista é sujeita a mudança. Para resolver a primeira questão prefiro ter em consideração a lista oficial dos papas, já que a lista muda de um historiador a outro. Os papas que geralmente são considerados como aqueles que renunciaram são quatro: S. Ponciano (230-235), Bento IX (1032 a 1048, sendo Papa por três vezes), S. Celestino V (1294) e Gregório XII (1406 a 1415), porém o problema é que do primeiro não temos registros históricos válidos da sua renúncia; Bento IX é uma história curiosa porque foi papa por três vezes, duas vezes foi deposto e não se tem certeza se chegou a renunciar na terceira vez; já a renúncia de Gregório antipapa foi para terminar com o cisma do ocidente (eleição), e neste caso renunciaram ele e todos os outros antipapas para que si fizesse a eleição de um novo para voltar a sede a Roma. Assim, dos quatro mencionados, o único que não paira uma dúvida sobre a renúncia é a de Celestino V, um papa que teve uma importância grande para os espirituais franciscanos. Por motivo dessa única certeza, eu me uno a tantos sérios historiadores para dizer que vivemos a segunda renúncia de um papa. Uma outra questão que se põe é como será o processo de sucessão. As perguntas que se ouvem sobre este ponto é sobretudo de caráter politico. Seguramente este aspecto é e deve estar sempre presente nas relações humanas, mas nós pessoas de fé, não podemos cair nesta armadilha. Tivemos um conclave há pouco tempo, em 2005, e o processo será muito semelhante àquele, excluso obviamente o funeral do papa e o fato que, por decisão de Bento XVI, o papa deve ser eleito, em qualquer escrutínio, com dois terços dos votos. João Paulo II tinha determinado que depois da décima votação bastava a maioria absoluta. Portanto a partir do dia 28 de fevereiro de 2013, às 20 horas do Vaticano, com a Sé de Roma vacante, o cardeal Tarcísio Bertone, carmelengo da Santa Romana Igreja, assume o governo interino da Igreja e o Cardeal Ângelo Sodano, decano do colégio cardinalício, assume a missão de convocar e presidir a eleição do novo pastor da Igreja. Um adágio famoso diz que no conclave, quem entra papa sai cardeal! Portanto qualquer suposição sobre candidatos é perda de tempo. Agora podemos avaliar as repercussões da notícia. Comecemos por recordar que em 2005, com a morte de João Paulo II, tantos falavam da impossibilidade de substituí-lo e hoje se vê que era drama de um momento histórico. Recordemos que uma comunidade que sobreviveu à grande crise da morte e depois ascensão de seu fundador – Jesus Cristo – dificilmente desmoronará com uma sucessão ou renúncia do papa. Acho um drama desproporcional a leitura de crise que se faz nesse momento, e um desconhecimento da história da Igreja que passou vitoriosa por tantos outros momentos. Portanto, nesta questão, menos drama e mais fé. Os meios de comunicação me fazem feliz pelo fato de ver como a questão religiosa, mesmo que perseguida, tem grande importância no nosso tempo. Mas rejeito a insistente pergunta que busca encontrar um outro motivo para a renúncia, além daquele que disse o papa: sentindo-se de idade avançada, não se vê em condições de conduzir a Igreja em um mundo com tantas mudanças. Pretender outras respostas é entrar num mar de suposições sem fim. Afinal, para mim que tenho a graça de conviver com anciãos da idade do papa, não precisa buscar outros motivos, basta ver que são pessoas que, ainda que boas, não conseguem mais gerir a própria vida, muito menos assumir o governo da diversidade da Igreja. A posição mais sóbria penso que encontro na hierarquia da Igreja: viver este momento com sobriedade e no limite daquilo que o papa nos disse em poucas palavras. Não vivemos uma crise, mas um momento de parar para recomeçar, com a graça de Deus e na certeza, como dizia o Senhor a Francisco, que esta não é obra nossa, mas d’Ele. >>>Quem tem a graça de conviver com a pessoa de Ratzinger, diz sempre que é um homem gentil, simples e inteligente, a sua renúncia se encaixa muito bem neste perfil. Vale recordar que no seu breve pontificado teve gestos de amor para com o Brasil: escolheu Aparecida para ser a sede da V Conferencia dos bispos de América Latina e escolheu o Rio para ser sede da JMJ. Quando o encontrei em Assis em 2007 ele me disse que o Brasil tinha sido a sua experiência mais bela. Creio que a renúncia ao poder é uma coisa que somente tem coragem de fazer uma pessoa de Espirito, afinal quantos anciãos se ligam sempre mais ao poder. A isto se acrescenta a grandeza de assumir o próprio limite, rompendo a tendência que temos de pensar-nos onipotentes. Ao legado de Bento XVI, se acrescenta agora este último, que depois de quase 800 anos sem uma renúncia de Papa, deve dizer a nossa Igreja e não somente ao bispo de Roma, que, em uma sociedade onde se tende a viver sempre mais, o bem da Igreja está acima dos nossa projetos pessoais, e que por isso, como disse o papa, ele tem o direito e até o dever de renunciar. Se isto nos servirá de testemunho, já conseguimos fazer uma leitura cristã e franciscana deste momento, ou seja profética. (Publicado na Revista Irmao Menos, Fraternidade Sao Francisco da OFS de Brasilia)

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